Quando a História faz justiça

The Conversation
Reedição Guilherme Augusto Zacharias
Ilustrações reprodução internet
A Batalha pela Lei
O Caso das Proclamações
Imagine uma Londres antiga, em 1610, onde o rei Jaime I, um governante com crenças firmes em seu poder divino, queria moldar a cidade à sua vontade. Ele desejava erguer construções e ditar leis sem consultar ninguém, acreditando que sua palavra era lei suprema.
Mas, em um ato de coragem, o presidente do Supremo Tribunal, Sir Edward Coke, ergueu-se contra o rei. Coke argumentou que o poder de Jaime I não era absoluto e que o parlamento, o órgão representativo do povo, também tinha voz nas decisões.
A tensão era palpável. O rei, acostumado a ter seus desejos atendidos, enfrentava resistência. O tribunal, por sua vez, defendia a ideia de que nenhum monarca poderia agir de forma arbitrária, ignorando as leis e os representantes do povo.
Essa disputa, conhecida como o Caso das Proclamações, ecoou por décadas. No final do século, a Revolução Gloriosa consolidou a ideia de uma monarquia constitucional, onde o rei ou a rainha reinam sob a lei, respeitando a autoridade do parlamento eleito. Esse confronto histórico contribuiu para a consolidação de uma monarquia constitucional, onde o poder do rei é limitado pela lei e pelo parlamento.
Porta abaixo, lei acima
O dia em que a porta da casa de um homem se tornou o limite do poder real
Em 1765, a Inglaterra fervilhava com ideias e críticas. John Entick, escritor e professor, viu sua vida virar de cabeça para baixo quando homens do rei, liderados por Nathan Carrington, invadiram sua casa. O motivo? Uma suspeita: Entick teria escrito um panfleto contra o governo.
A casa de Entick, seus papéis, sua privacidade – tudo foi violado. Mas Entick não se curvou. Ele levou o caso aos tribunais, questionando a autoridade de tais atos. O tribunal, em uma decisão que ecoaria através dos séculos, declarou que o secretário de estado não tinha o direito de emitir mandados de busca sem base legal. A invasão da casa de Entick foi considerada ilegal.
Este caso, Entick contra Carrington, tornou-se um marco. Ele estabeleceu um princípio fundamental: ninguém está acima da lei. Nem mesmo os mais poderosos podem agir fora dos limites da lei. Hoje, as forças da lei só podem fazer o que a lei lhes permite, uma salvaguarda que devemos, em parte, à coragem de um homem que defendeu seu direito à privacidade em 1765.
O limite da sobrevivência
Quando náufragos enfrentaram a lei por canibalismo
Em 1884, um naufrágio no vasto oceano Atlântico transformou marinheiros em sobreviventes desesperados. Presos em um bote, à deriva e à beira da morte, eles tomaram uma decisão sombria: sacrificar o membro mais fraco do grupo, um jovem chamado Richard Parker, para se alimentarem e prolongarem suas próprias vidas.
Ao serem resgatados, enfrentaram a justiça. O tribunal, em um julgamento que abalou a Inglaterra vitoriana, teve que responder a uma pergunta perturbadora: a necessidade justificaria o assassinato? A defesa argumentou que, em circunstâncias extremas, o instinto de sobrevivência deveria prevalecer.

No entanto, a lei, inflexível, declarou que a vida humana é sagrada. O tribunal considerou os réus culpados, afirmando que a lei não exige que um indivíduo morra para salvar outro. Mas a opinião pública, dividida entre a repulsa e a compaixão, pressionou por clemência. As sentenças de morte foram comutadas, um reconhecimento tácito da complexidade moral do caso.
O nome de Richard Parker ecoaria na literatura, imortalizado no romance “A Vida de Pi”. O caso “R versus Dudley e Stephens” permanece como um lembrete sombrio de que, mesmo em face da morte, a lei e a moralidade impõem limites àquilo que os humanos podem fazer para sobreviver.

A promessa da bola de fumaça antigripal
Quando a confiança (quebrada) valia 100 libras
Em 1893, uma empresa, a Carbolic Smoke Ball Co., lançou um desafio ousado: prometeu 100 libras a quem, usando seu produto – uma bola de fumaça supostamente milagrosa contra gripes e resfriados – ainda assim adoecesse. A Sra. Carlill, confiando na promessa, adquiriu o produto e seguiu as instruções. Mas, para seu azar (ou sorte, dependendo do ponto de vista), contraiu gripe.
A empresa, então, tentou se esquivar da promessa. Mas a justiça não permitiu. O tribunal decidiu que a promessa da Carbolic Smoke Ball Co. era um contrato vinculativo. A Sra. Carlill, ao usar o produto conforme as instruções, aceitou a oferta, criando um acordo legal.
Este caso, “Carlill contra Carbolic Smoke Ball Co.”, é um marco na história do direito contratual. Ele nos ensina que promessas públicas, feitas com a intenção de serem levadas a sério, devem ser honradas. A confiança do consumidor, afinal, é a base de qualquer transação comercial. E, talvez, a Sra. Carlill tenha tido uma vantagem: seu marido era advogado, o que certamente ajudou a levar o caso aos tribunais.
‘Quando a História faz justiça’ voltará na próxima semana com mais quatro casos.
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